Crise lança demitidos no empreendedorismo, mas falta de planejamento gera riscos
Adriano Amaral, 31, foi demitido da empresa na qual trabalhava havia dois anos e meio como técnico em mecânica em dezembro do ano passado. A companhia, que produzia chapas de MDF usadas na confecção de móveis, reduziu em 90% seu quadro de funcionários, conta.
Ele diz que já tinha vontade de ter um negócio. O desemprego o fez tomar a iniciativa de abrir uma unidade da franquia Doutor Lubrifica, de serviços automotivos há um mês. Amaral trabalha na cidade de Capão Bonito (SP), junto com sua noiva. Ele visita os clientes e faz trocas de óleo em seus carros e ela marca atendimentos e envia orçamentos.
Ele conta que investiu R$ 55 mil para abrir o negócio. O valor inclui taxa de franquia, estoque, capital de giro e um carro.
“Tive um pouco de medo da crise, sim. Mas penso que abrir uma empresa é sempre difícil, tudo depende do esforço de cada um”, diz o empresário.
O mau momento da economia brasileira fez do empreendedorismo a opção de muitos profissionais que perderam seu emprego, tal como aconteceu com ele.
A taxa de empreendedorismo no país, medida pela pesquisa internacional Global Entrepreneurship Monitor, foi de 34,5% em 2014 para 39,3% no ano passado.
O relatório estimou que haviam 52 milhões de brasileiros envolvidos com uma atividade empreendedora no ano passado.
Outro dado que foi fortemente impactado foi a taxa de empreendedorismo por necessidade (aquele que não é baseado na descoberta de uma oportunidade, e sim por ser a alternativa que a pessoa tem para ter renda no momento), que cresceu principalmente na categoria dos empreendedores nascentes (com até 3 meses de negócio no momento da realização da pesquisa). Nesse grupo, ela foi de 13% para 36%.
A pesquisa é feita no Brasil pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) e conta com apoio do Sebrae.
RISCO
Vale a pena abrir um negócio justamente quando a economia está em seu pior momento?
O número de pedidos de falências cresceu 27,5% entre janeiro e maio deste ano em comparação ao mesmo período de 2015, segundo a Boa Vista SCPC.
Outro problema:: em geral, a qualidade dos negócios que surgem em momentos de dificuldade é menor do que a daqueles que foram planejados, diz Marcelo Aidar, coordenador adjunto do GVCenn (Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).
“Negócios por necessidade muitas vezes começam em situação de ‘Deus nos acuda’, sem planejamento e expectativa de crescimento.”
Aidar recomenda que, mesmo em situação de urgência e dificuldade, o empreendedor faça o possível para realizar algum planejamento e estudo do mercado.
O professor afirma que empreender na crise é mais difícil do que em situações de prosperidade: os consumidores estão com o bolso mais apertado, de um lado, e mais pessoas estão lançando empresas para voltar a ter renda, de outro.
Segundo Alessandro Leite de Lima, gerente do Sebrae-SP, desempregados têm se tornado uma presença constante em palestras e consultorias oferecidas pelo Sebrae. Buscam, principalmente, informações sobre quais os setores em que devem apostar e em como se formalizar.
Segundo ele, um dos grandes desafios desses novos empreendedores é mudar seu modo de encarar o trabalho e suas rotinas: Quem atuava apenas em um setor de uma empresa vai precisar estar atento a tudo: vendas, contratação, relacionamento com fornecedores e marketing, por exemplo.
“Muitos desses novos empreendedores eram excelentes técnicos em seu emprego, têm cursos em sua área específica, mas precisam desenvolver conhecimentos de gestão e comportamento de dono de negócio”, diz.
Para se manter motivado e cumprir todas as tarefas de seu trabalho como empresário, anderson Silva, 32, adotou estratégia bem conhecida de seu emprego anterior, de gerente geral de uma agência bancária: colocou um quadro de metas em seu espaço de trabalho.
Ele foi demitido em 2014 após trabalhar 10 anos no mesmo banco e decidiu abrir uma franquia da empresa de serviços de marketing digital Guia-se.
Silva trabalha em casa, com a namorada e mais uma funcionária, na cidade de Bragança Paulista (SP).
“Empreender é um desafio diário, mas muito compensador. Trabalha-se mais do que como funcionário, inclusive no final de semana.”
QUAL É MEU NEGÓCIO?
Para aumentar as chances de sucesso, Luiz Guilherme Manzano, diretor de apoio a empreendedores
da Endeavor (ONG que apoia o empreendedorismo), indica que os novos empresários selecionem setores nos quais já têm experiência para abrir seu negócio.
Dessa forma, se aproveitam os contatos que se tem e o conhecimento acumulado sobre o mercado durante anos de trabalho.
Silva, da Guia-se, conta que, ao contrário do sugerido pelo especialista, não conhecia nada de marketing digital. Na verdade, nem tinha conta no Facebook, ele aprendeu tudo nos treinamentos oferecidos pela franqueadora. Hoje, sua empresa é especializada em redes sociais, diz.
A escolha do setor foi baseada em dois fatores: a crença de que o mercado digital tem grande potencial de crescimento e a percepção de que há similaridades entre o trabalho no banco (onde ele atendia muitos empresários e os ajudava a planejar seu negócio) e o que ele faz atualmente.
Ele diz que investiu R$ 35 mil no negócio. Em um ano, teve retorno desse valor, conta.
OPORTUNIDADES
Os principais indicadores econômicos, incluindo crescimento do PIB, juros e inflação estão desfavoráveis. Mas nem por isso o empreendedorismo neste momento é uma má ideia para todos, diz Kelly Carvalho, assessora econômica da FecomércioSP.
Ela cita como exemplo de setor que está indo bem o de assistência técnica e consertos em geral, incluindo de roupas e automóveis.
Ela também recomenda que se prefira negócios que exijam menos investimentos durante o período atual de instabilidade econômica e política. Isso para evitar uma perda muito grande caso a crise se agrave.
Aidar, da FGV, recomenda aposta em produtos e serviços que diminuam os gastos dos consumidores.
“Muitas pessoas estão deixando de comer fora e levando marmita para o trabalho para economizar. Talvez um serviço de alimentação com preço baixo atendesse bem esse público”, exemplifica.
Segundo Lima, do Sebrae-SP, um bom planejamento minimiza as chances de erro. É preciso buscar informações sobre o mercado em que se vai atuar, conhecer seus clientes, concorrentes, fornecedores e preços praticados. A partir daí, deve-se tentar fazer algo diferente do que o mercado já possui, diz.
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